Centenário de Loris Malaguzzi: a Escola deve ser para todos e priorizar as diferenças

Loris MalaguzziA informação deste título é talvez uma das mais intensas da pedagogia. E não é para menos, pois resume a entrevista emblemática de Loris Malaguzzi à revista semanal norte-americana Newsweek, em 1991. Literalmente, ele disse que “a escola precisa ser um lugar para todas as crianças. Não com base na ideia de que elas são iguais, mas sim de que são diferentes”.

A reportagem, de quase três décadas atrás, mostrou um pouco mais ao mundo a importância desse personagem central no desenvolvimento da Escola Participativa, nascida conceitualmente em Reggio Emilia, na Itália, e espalhada para várias partes do mundo, inclusive em Vargem Grande Paulista, onde tem o expoente no Colégio Oficina Pindorama. Mas quem, de fato, foi o pedagogo Loris Malaguzzi, que completaria 100 anos em 2020?

Nascido em fevereiro de 1920, na comuna de Correggio – localizada na província de Reggio Emília, no Norte da Itália – Loris Malaguzzi foi muito mais que pedagogo e educador, e a prova disso é que as suas ideias repercutem até hoje. Com influências de vanguarda para a sua época, como Freinet, Dewey, Wallon, Erikson, Decroly, Vygotsky, Montessori e Piaget, ele estava preparado para assumir a diretiva do conceito pedagogo de Reggio Emilia, que ainda hoje é o mais avançado que se tem conhecimento e cujas diretivas inspiram a Base Curricular atual do Ministério da Educação brasileiro (MEC).

Do limão a limonada: como tudo começou na Itália
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a população de Villa Cella, então um bairro de Reggio Emília localizado a 70 km de Bolonha, no Norte da Itália, vendeu seis cavalos, três caminhões e um tanque de guerra abandonado pelos alemães para começar a construção de uma escola. Meses depois, Malaguzzi, curioso com a iniciativa, chegou para visitá-la. Apaixonou-se e integrou-se à iniciativa pelo resto de sua carreira profissional.

Logo que chegou ao local, Malaguzzi viu duas mulheres martelando o cimento velho dos tijolos retirados de casas bombardeadas e confirmou que, de fato, construía-se ali uma escola com as sobras da guerra. “Tudo parecia inacreditável: a ideia, a escola, o inventário, que consistia nos equipamentos e cavalos abandonados. Eu sentia que aquela era uma lição formidável de humanidade e cultura, a qual geraria outros eventos extraordinários”, disse ele em uma entrevista anos depois.

Daquela visita, em 1946, até a sua aposentadoria, em 1985, ele trabalhou arduamente em Reggio Emilia, onde foi diretor e deixou um legado elogiado por educadores da primeira infância em todo o mundo, dado o compromisso assumido com a inovação pegagógica. Essa inovação consiste na aplicação de aulas que permitem às crianças aprender uma variedade de habilidades e ajudá-las a entender o seu mundo. O que parece arte, por exemplo, é na verdade uma aula de ciências, matemática e arte.

A criança ensina, aprende e evolui
Logo nas primeiras aulas, Malaguzzi percebeu que muitas crianças tinham dificuldade com a língua italiana. Algumas falavam dialetos locais e eram naturalmente deslocadas pelos professores ensinados em colégios católicos e de ideias conservadores. Foi então que ele e o grupo de professores de Reggio Emilia pediram aos pais das crianças sugestões.

A conclusão dessas conversas foi que “tudo sobre as crianças e para as crianças só pode ser aprendido pelas próprias crianças”. Daí partiu a ideia de que Reggio Emilia é uma abordagem baseada na coletividade. Mais do que isso, ficou evidente que as crianças são capazes de conduzir a própria aprendizagem.

Assim, os colégios infantis de Reggio Emília – quando Magaluzzi se aposentou, eram mais de 30 deles – desenvolveram a proposta pedagógica que leva o nome da cidade e que tem como premissa o Protagonismo Infantil, além da Pedagogia da Escuta, Pensamento Crítico, Arte e Documentação.

Na reportagem de 1991 da Newsweek (leia aqui), há a descrição de uma dessas escolas, chamada Diana: “a escola Diana, com paredes de vidro, parece mais uma estufa alegre do que um jardim de infância público. A arte infantil está por toda parte – nas paredes, pintada nas janelas, pendurada no teto, espalhada por mesas. Há ladrilhos de cerâmica de cavalos-marinhos, um móbile de perfis humanos feitos de arame e miçangas e estatuetas de argila de árvores e folhas. Duas áreas de vestir oferecem fantasias para crianças que queiram se disfarçar durante o dia”.

Como um homem à frente do seu tempo, Magaluzzi manteve atividades com Reggio Emília mesmo depois de sua aposentadoria. Ele morreu aos 74 anos, vítima de um infarto, mas é celebrado na Itália em todo dia 23 de fevereiro, dia do seu nascimento.